Mãezinha, bom dia!!!

Por Adriana Benardes

Brasília, 10 de maio de 2020.  Mãezinha, bom dia!!! Acordei tão cedo hoje... Já tava pra amanhecer quando sonhei que tava atrasada pruma pauta (sim, ainda era aquela repórter de rua que tantas vezes engoliu o nó na garganta diante de mães que perderam seus filhos para o trânsito ou pelas mãos de criminosos e, ao virar as costas, chorou até soluçar se perguntando se era correto fazê-las reviver, em palavras e lágrimas, aquele imensa dor e amor estancados no peito).

No sonho, eu precisava voltar pra pegar o casaco e o telefone. Entre isso e aquilo, encontrei uma colega de redação. Ela tatuava o próprio corpo com uma canetinha preta. Os desenhos eram tão lindos!!!E eu ali, dividida entre apreciar o desenho e o buraco no estômago pelo atraso. Acordei, fui ao banheiro, fiz um café e agora estou aqui, dissipando a apreensão do sonho e pensando em você, no quanto te amo!

Ai, mãe, a noite aqui foi uma feira do peixe, como diz meu bonito! Primeiro, a menina grande foi pra nossa cama. Depois, chegou o piquiniquinho grandão. Parou do meu lado e esperou eu chamar pra subir. Achei melhor ir pro quarto do lado com o pequeno. A cama 2 x 2 está cada dia menor para nós quatro.

O dia aqui amanheceu frio. O céu está nublado. O café quentinho aquece o estômago. Mãezinha, sabe qual é o meu prato preferido na vida? O esquentadinho que você fazia no meio da tarde quando a gente morava na roça.

Crédito: Pinterest 
Arroz, feijão, carne de panela, cebola picada em rodelas e cebolinha verde bem fininha. Tudo remexido e aquecido no fogão à lenha. A gente sentava no degrau que separava a sala da cozinha (não sei se existia de fato ou se o construí nas minhas lembranças) e lanchava a sobra do almoço. Não entendo como você deixava o esquentado sequinho daquela jeito! Hoje em dia, eu acrescentaria uma boa pimenta malagueta! Humm......

Casinha no mandiocal 

Também trago comigo aquela casinha de lençóis que você fez debaixo do mandiocal. Lembra daquele dia? Varremos a terra até ficar bem limpinha. Depois, você foi amarrando os tecidos, fez o teto e separou "a casa" em cômodos. Mãe, você não faz ideia de como aquele dia marcou a minha vida. Ainda posso sentir a alegria daquela menina dentro do peito, com você ali, brincando comigo. Hoje, quando estou com meus pequenos, me pergunto quais momentos eles levarão pra vida toda.

Mas claro que nem tudo beira à poesia, né? Não seria vida real. Aos sete, tivemos que nos separar pra que eu tivesse a chance de estudar. Por dois anos e três meses, só nos víamos aos fins de semana, lembra? Como eu tive piolho, naquela época, meu Deus!!!

Quando voltava pra casa, você colocava uma cadeira embaixo da sete copas, eu sentava no chão entre suas pernas e, dalí, só saíamos depois de você catar todos os piolhos e lêndeas dos fios negros até quase a cintura. Na semana seguinte, lá estava eu, infestada de novo. Afe!!!

Lembro também que nossa casa não tinha livros. Só os do Mobral, com os quais o Cabeludo tentava aprender a juntar as letras depois de um dia inteiro de trabalho braçal na roça. Mas guardo um fiapo de memória da vez em que você pegou emprestado um ou dois livros de contos de fadas. De muito, muito longe, vejo nós três (eu, você, e a menina que corre dos meus beijos e abraços) deitadas na sua cama; você lendo pra gente. E quando finadava a página, a gente queria de novo. Igualzinho aqui em casa, hoje em dia. Mãe, obrigada por aqueles momentos!

Mas, como nem tudo beira à poesia, teve aquele tombo de bicicleta quando você me levava pra escola numa segunda de madrugadinha, lembra? Assisti a aula com o uniforme todo sujo de terra vermelha.

E quando você estava grávida do menino manhoso, beirando aos nove meses, e caiu tentando arrancar um broto de bananeira? Não sei se você ria ou se chorava (talvez os dois), mas não conseguia se levantar sozinha e eu, por volta dos meus 8 anos de vida, e a menina que foge dos meus beijos e abraços com uns 4, não tínhamos forças para te ajudar.

Sei que passamos um bom tempo ali, com você no chão tentando ficar de pé. Lembra disso?

Ah, teve uma vez, quando a gente voltava da cidade a pé, num fim de semana, e você me contou o nome de uma das árvores do caminho: veludinho. Depois daquele dia, passei muito tempo pagiando as frutos dela na esperança de passar por ali quando estivessem maduros. Mas nunca tive a oportunidade de experimentar o gosto azedinho, conforme você me explicou.

E aquela panelinha de ferro batido que vocês compraram no armazém da Bete, era Bete o nome dela, não era? Como eu amei aquela panelinha! Era para a casa, mas na minha cabeça, era a minha panelinha. Lá se vão 37 anos e ela continua na família!

O vestido de noiva


Mãezinha, e o vestido do meu casamento, você lembra a confusão? Eu sabia exatamente os modelos que não queria. Faltando pouco mais de um mês para a cerimônia, e depois de folhear dezenas de revista, juntei a parte de cima de um, com a saia de outro e voilà! Eu morando em Brasília e você em Minas. Te mandei as fotos. Fui a Taguatinga e comprei os tecidos. Enviei pelos correios.

No fim de semana seguinte, bati perna atás das pedras e cristais. No outro, fui pra Minas. Tiramos as medidas e você começou a fazer. Ainda estava indecisa sobre a saia. E você fez duas opções: a de renda e a de cetim.

Foi no estúdio fotográfico, horas antes da cerimônia que eu descobri qual delas me vestia. Ficou perfeito! Eu amei cada detalhe. Eu me senti deslumbrante. Aquele era o meu vestido de noiva perfeito e ele saiu das suas mãos. Jamais, em toda a minha vida, vou esquecer!

Passados alguns anos, engravidei pela segunda vez? Fui tomada por um medo enorme de não amar aquela criança tanto quanto amava a minha menina. "Mãe, eu amo tanto a fofolete.... meu coração está inteiro tomado por esse amor. E se não tiver mais espaço? E se eu não conseguir amar este bebê tanto quanto amo minha menina?"

Do outro lado do telefone você ria e dizia que isso era impossível. O diálogo se deu várias vezes. "Mãe, pode falar a verdade. Não precisa dizer nomes, mas você ama mais um de nós três do que os outros dois, não ama?".

Você gargalhava da minha angústia. "Depois que o bebê nascer, você vai me dizer". E explicou que as relações entre mães e filhos são diferentes, em função da personalidade de cada um. Mas que o amor, este é igualmente imenso. Que não haveria como escolher entre mim, a menina que foge dos meus abraços e beijos e o menino manhoso.


Como você estava certa, mãezinha! Quando se trata de amor, o coração se expande, e se expande de novo, e quantas vezes forem necessárias. Eu amo infinitamente meus dois pequenos. Também sou incapaz de escolher entre um e outro. E sim, as relações são distintas exatamente pelos motivos que me explicou naquele dia. Pari duas criaturas completamente diferentes e encantadoras

E neste dia das mães, em isolamento social, cá estou eu: com meus dois pequenos, dois vasos de orquídeas, a minha flor preferida, transbordando de amor.



Mãezinha, eu te amo mais que o infinito! Que saudade!!!!

Comentários

  1. Que tudo ... essa crônica tecida com pedaços de lembranças da infância, do casamento (eu fui ao seu casamento - noiva de mini-saia, lindos Adriana e Rafael entrando no salão ao som do melhor do rock). Lembranças arrematadas com um laço de fita cor de rosa, cor de amor de mãe. Linda a sua declaração de amor à mãe que te trouxe até aqui....

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  2. Foi um dia lindo, aquele. Conseguimos reunir os melhores amigos naquela celebração. Beijo no coração!

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  3. mamãe é o maoir tesouro que possuímos nessa vida, pena que não dura para sempre, mas graças à Deus as lembranças ficam pra sempre, aquecendo nossos corações, parabéns à todas as mamães, a minha mamãe está no céu, que Deus à tenha

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    1. Mãe é uma benção! Que a sua mãe esteja cercada pela luz divina. Fique bem e se cuide!

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  4. Lindo seu texto. Tenho certeza que chorou escrevendo. Escrever é reviver tudo de novo.

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    1. Sim, você tem razão! Chorei. Sou bem chorona, na verdade. E nesses tempos estranhos, nunca "A flor da pele", cantada pelo Zeca Baleiro, foi fez tanto sentido. Choro de alegria, de tristeza...nada muito diferente do que sempre fui.

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    1. Ah, isso é muita traquinagem! Não se faz mistério com jornalista!

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