Fenômenos não relatados do coronavíurus


Parte II

Por Adriana Bernardes


Brasília,  8 de maio de 2020.  Vou ser direta. Novos fenômenos estranhos têm acontecido nos meus 60 metros quadrados. Em 12 de abril, falei sobre isso neste espaço. Se você não leu, fique por dentro clicando neste link. Mas agora, vamos aos fatos mais recentes. Vou pontuá-los em blocos para tentar ser o mais objetiva possível.

Ser luz


Uma abelha europa invadiu minha cozinha. No segundo dia, percebi que ela tentava entrar debaixo da garrafa de mel para se fartar do que havia escorrido pelo bico e lambrecado a bancada. Fiquei com pena. A bichinha estava com fome (?). 

Levantei a garrafa e fiquei olhando. Pensei em matá-la. Uma ferroada dela nas crianças renderia muita dor e choro. "Você já leu um monte de texto dizendo que o planeta precisa de luz, de boas energias, vribrações positivas. Vai matar a bichinha? Isso não há de ser um gesto de luz, mesmo que para evitar uma picada daquelas nos seus pequenos", refleti. 

Ainda assim, peguei o pano de prato e armei o golpe. E ela lá, esfregando as perninhas e as asas lambuzadas de mel. "Como poderei ser luz matando uma abelha faminta?????", ponderei. Guardei minha arma mortal. Botei um cadim de nada de mel num pote, empurrei a abelha pra dentro dele e levei para a janela da área de serviço. Fui invadida por um sentimento bom, reconfortante e de orgulho de mim mesma!

Solidariedade dos insetos

Insetos são solidários. Aprendi sobre isso dois dias após ter alimentado uma abelha na janela. A danada gostou e chamou as amigas para a festa. Já eram cinco. Resfastelavam-se naquele pingo doce. Ficou arriscado. Tirei o pote. Guardei a garrafa no armário. E dei por encerrada a questão.

Não tinha um homicídio sequer nas mãos. Mas, nos dois dias seguintes, o perigo ainda rondava a cozinha. A abelha, talvez a primeira a descobrir a garrafa de mel na bancada, voltou várias vezes. Depois desistiu. Nunca mais apareceu por aqui.


A vida não está fácil nem para os pardais




 Se os pardais que visitam minha janela tivessem um blog, certamente escreveriam sobre fenômenos estranhos do isolamento social por conta da pandemia mundial do novo coronavírus. Por aqui, nasceram três flores na tela de proteção da sala. As raízes são azuis. As pétalas, rosa e amarelo bem suaves. Brotaram na véspera da Páscoa, à espera do coelhinho e seus ovos de chocolate. Não precisam de água ou adubo. E onde os pardais entram nessa história? Pelo menos uma vez por dia um ou outro visita minha janela. Bica as pétalas, tenta a raíz (a linha azul), espia para os lados como quem diz, "que diacho é isso?". Foram várias expedições. Certeza que já fizeram uma assembleia para desvendar o mistério da flor sem cheiro, sem gosto e de beleza irretocável, nascida numa janela qualquer, no Planalto Central, na capital da República.  

Da objetividade aos devaneios

O resumo no cabeçalho deste blog diz tudo sobre o motivo do seu surgimento e não vou repetir aqui. Mas isso se deu há uma década. Escrevi um texto e nunca mais abri a página. Nunca havia contado sobre o Reboar pra ninguém. Ele adormeceu dentro de mim por 10 anos. 

Meu estilo preferido de escrita é o que, logo de cara me responde as perguntas do lead e sublead: o quê, quem, quando, como, onde e porque. Na estrutura de um texto jornalístico, as respostas para essas perguntas estão no primeiro e segundo  parágrafo e entregam ao leitor as informações mais importantes da matéria. 



Aí veio a pandemia mundial. O isolamento social. O home office. Todo o cuidado da casa (tarefa compartilhada com meu bonito), mais o tal do ensino à distância. Num dia qualquer, navegando na internet, não sei como, o Reboar fez "buuu". 

Não lembrava mais da senha de acesso. Arranjei outra. E aqui, me permiti experimentar novos estilos de escrita: arremedos de crônicas e de poesia. Digo novo porque é intuitivo. Não sigo padrões, não estudo os gêneros, as técnicas. É fígado, coração, estômago e alma.

Terreno novo, movediço, de liberdade e incertezas. Crônica é, para mim, um dos estilos mais difíceis. Como é tênue a linha entre o belo e o piegas. Por isso, deixo aqui registrada toda a minha reverência a Conceição Freitas, com quem tive o privilégio de trabalhar e desfrutar da amizade. Eliane Brum é outra mestra das palavras. Que texto, que sensibilidade!  

Espero que você, entenda a importância de compartilhar as esquisitices do isolamento nos comentários. Juntos, sairemos dessa. 


(Não) Diário: dia...um dia qualquer!


Comentários

  1. Sempre que vejo uma abelha, penso no quanto temos aprender com elas...

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    1. Creio que temos tido mais tempo para enxergar as coisas ao redor. Pelo menos por aqui.

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  2. oi! vou falar só um cadim, como a vida nos ensina, ainda mais quando num ritmo de caim vivemos, kkkkkk parabéns Adriana

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    1. Sim, de cadim em cadim a gente vence esse isolamento social. De cadim em cadim, a gente alimenta a alma, cultiva amizades....De cadim em cadim, descobrimos mais sobre nós mesmos! Obrigada pela presença por aqui!

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  4. Muito bom! Haha, agora não me sinto mais tão estranha, há outras pessoas que temem carregar um "homicídio" nas costas... Rs

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    1. Dri, nem dos bichos que eu não gosto! Me arrepia só de pensar na sensação de esmagá-los.

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  5. Eu amo abelhas - pelo mel, pela cor, lindeza, delicadeza, pelo trabalho em prol dos humanos, pela simbiose com as flores e um tanto mais de razões. E prometo sempre me lembrar do Reboar quando vir uma.... linda crônica!!!!

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  6. Acho que foi o Rubem Braga (ou o Paulo Mendes Campos no "Para gostar de ler"?) que disse que o jornalista era um fotógrafo da vida, enquanto ele, cronista, era só um lambe-lambe. Mas como são enternecedoras as fotos dos lambe-lambes. Além de viverem nessa linha tênue que você aponta.
    Será que aquele lambe-lambe que ficava no pé da escada rolante da rodoviária ainda senta praça por lá?...

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  7. Oi professor, que bom tê-lo aqui! Uma grnde amiga cronista ganhou um dos prêmios mais importantes do jornalismo anos atrás. Concorreu com reportagens fortes de denúncia política, entre outros temas "relevantes" para a sociedade. Mas o júri entregou a ela o prêmio principal pela série Amores Possíveis. Foi uma das coisas mais lindas que li! Cronistas têm o dom de enxergar os humanos e o mundo invisíveis aos olhos de nós, pobres mortais! Talvez um dia eu consiga lapidar meus olhos e dedos...

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